Entre o cérebro e o carrinho: o que o neuromarketing revela

Você acredita que toma decisões racionais? Que escolhe produtos somente comparando preço e ficha técnica?

Para tentar entender como realmente decidimos, especialmente no momento da compra, precisamos olhar para a intersecção entre duas áreas: a Neurociência, que investiga o funcionamento do cérebro, e o Marketing, focado nas decisões e relações de compra.

A união inteligente desses campos deu origem ao Neuromarketing, que em termos simples, aplica o conhecimento de como o cérebro funciona para entender as respostas do consumidor a estímulos de marketing e comunicação. É uma ferramenta poderosa para decifrar como essa escolha acontece.


E se o consumidor é o grande protagonista da decisão de compra - como vimos em nosso último texto -, o Neuromarketing nos mostra as engrenagens internas dessa mente, revelando algo fundamental: na grande maioria das vezes, compramos por emoção e só depois justificamos com a razão.


A velocidade inconsciente 


Por exemplo, na compra de um carro de luxo. Dificilmente alguém pagaria 75% a mais por um veículo com especificações técnicas quase idênticas a um modelo mais acessível, se a única necessidade fosse obter um meio de transporte. A decisão de compra - sustentada pelo apelo emocional - é impulsionada pelo que o produto representa: o valor transcende o benefício funcional, ancorado em como ele faz a pessoa se sentir e como ela quer ser vista. A razão, supreendentemente, entra em cena depois para justificar o investimento.

Essa racionalização posterior, embora presente em decisões de alto valor como a compra de um carro, é apenas a ponta do iceberg de como nosso cérebro opera no universo das marcas. Muito antes de qualquer reflexão consciente, nosso cérebro primitivo já está captando e interpretando sinais, formando impressões e ativando respostas que direcionarão toda a interação com a marca.


Essa dinâmica onde a emoção e a velocidade dominam o processo inicial, opera em impressionantes 50 milissegundos (sim, mais rápido que um clique!), onde se obtém a primeira impressão sobre algo. Nesse momento, não estamos avaliando argumentos ou benefícios listados; estamos “lendo” uma linguagem que dispensa palavras, ancorada em símbolos e códigos culturais e sociais.

A capacidade de "leitura rápida" vem do nosso cérebro mais antigo e emocional, que nos acompanha desde os tempos das cavernas (quando decidir rápido se um barulho em um arbusto era de um predador ou de um animal dócil era questão de sobrevivência). Essa habilidade ancestral de interpretar sinais instantaneamente continua ativa em nós, influenciando profundamente como percebemos nosso entorno - e as marcas. E acontece a todo momento e em todo lugar.

Essa percepção imediata é decodificada predominantemente no sistema límbico, a central emocional do cérebro. Ele não possui articulação para linguagem, sente mas não explica. E é por isso que nossa razão só aparece depois, como um porta-voz elegante, dando entrevistas sobre decisões as quais não tomou. Como disse o neurocientista Antonio Damasio*, “Não somos máquinas de pensar que sentem, somos máquinas de sentir que pensam”*. 


Marcas além do produto: a construção da conexão autêntica

Se sentir vem antes de escolher, o trabalho de uma marca vai muito além de convencer com argumentos racionais; é preciso conquistar com presença emocional. A marca que deseja ser lembrada precisa, antes de tudo, ser sentida.

Isso nos leva a outra conclusão - também comprovada pela  neurociência: o cérebro não é neutro diante de estímulos. Intencionalmente ou não, sua marca sempre emite sinais e o cérebro do consumidor sempre (!) interpreta.

Cores, formas, palavras, cheiros, texturas e sons ativam, a todo instante, memórias e associações. Essa base sensorial-emocional molda percepções, influencia julgamentos e aciona gatilhos que podem levar à compra ou à recusa.

Por isso, marcas fortes não se limitam a informar o que 'têm' (seus atributos funcionais); elas precisam ir além, construindo uma conexão que faz o consumidor sentir, ativando memórias, despertando sensações e contando histórias. E o que as torna verdadeiramente poderosas para o público é, acima de tudo, a manifestação daquilo que a marca genuinamente é e representa, fazendo isso em cada ponto de contato - do tom de voz ao design de embalagem.

Portanto, trabalhar a estratégia de uma marca vai muito além  da estética; é construção emocional contínua onde cada detalhe é uma oportunidade de gerar a resposta desejada no cérebro do consumidor.

Marcas que dominam essa "dança" entre estímulo e resposta conseguem algo raro: serem lembradas com afeto. E afeto, como sabemos, não entra na planilha, mas faz enorme diferença no caixa.


De ruído a sinal: a estratégia da memória afetiva

Então, como garantir que essa construção emocional gere o sentimento e o significado certos para o público pretendido?

Construir essa conexão exige intencionalidade e estratégia, o que começa por desenhar a marca com base em escolhas consistentes e conscientes:


  • Quem ela é?

  • Como é percebida?

  • Como quer ser percebida?


Quando essas respostas emocionais e autênticas orientam as decisões, do nome ao layout, da comunicação à experiência do cliente, a marca deixa de ser ruído e passa a ser sinal. Deixa de ser esquecível e se torna memorável. Se sentir é o primeiro verbo da marca, o segundo é construir significado. Que tal dar o próximo passo nessa construção?

Decifrando a linguagem invisível

No próximo brinde, vamos falar sobre duas abordagens com bases científicas que nos ajudam a construir essa linguagem invisível, decifrando e utilizando os símbolos, as formas e a organização visual que atuam naquele instante crucial - os importantes 50 milissegundos - que define a primeira impressão, abrindo o caminho ou fechando a porta para a consideração da sua marca.

*Antonio Damasio — "O Erro de Descartes" (1994)


Louise Irie

Coluna "Um Brinde ao Branding!"

Designer Gráfico com MBA em Branding e pós em Neuromarketing

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Consumidor protagonista: quando só o bom produto não basta